Capítulo 22

    Se passaram duas semanas e as provas finalmente tinham acabado.Estava livre daquela prisão de livros e conteúdos impossíveis de se decorar, mas não estava livre do peso no meu coração.
    Desde a briga com Marcelo, ele parou de me mandar mensagens e de me ligar.Na verdade, quase não falava mais comigo.Mesmo nas aulas que tínhamos juntos, ele quase não se dirigia à mim.Só fazia seu papel de namorado de vez em quando, me dando um beijo e me pedindo como eu estava.Quando convidávamos ele para algum programa, ele negava e dizia que já tinha combinado de fazer algo.Claro, nunca especificava o que ia fazer, mas eu também não perguntava.Era melhor ele longe do que perto o tempo todo.Mas, apesar disso, sentia falta dele.
    Mas, tirando isso, minha vida tinha voltado aos eixos, pelo menos um pouco.Sem a pressão das provas, tinha tempo de me divertir com meu amigos, e nos divertíamos muito.Se não íamos na ICE&CREAM, inventávamos alguma coisa pra fazer.Um dia, por exemplo, fomos todos na casa da Clara, do Allan e do Kye, e que casa era aquela.Acho que cabiam três apartamentos meus naquela casa.Clara explicou que a produtora alugou aquela casa para ela e os meninos enquanto estivéssem ali, e que não pretendiam ir embora tão cedo, o que me deixava muito feliz.
    Era sexta-feira.A nossa penúltima sexta antes do festival.Os primeiros e segundos anos, naqueles últimos dias, estavam tendo aulas de talentos juntos, o que era muito melhor para nós, que tínhamos meus irmãos na banda.Ensaiamos pra valer durante aquelas últimas aulas e, pelo que eu percebia, tínhamos uma boa chance de vencer.Mas uma coisa me incomodava: não conseguia me concentrar naquele momento.
    -Mari, você está bem?Precisa de uma pausa? - Leo me perguntou, quando errei, pela vigésima vez,a nota da música.
    -Me desculpem, pessoal, mas não consigo tocar hoje. - apoiei a cabeça nas mãos e os cotovelos nas teclas do piano.
    -Tudo bem, maninha, - Andressa falou - já estamos preparados o suficiente para o festival, e estamos nos esforçando demais.Todos merecemos um descanço.
    -Tive uma ideia: que tal irmos no karaoke do centro hoje?Vai ser divertido.Podemos convidar o Samuel,o meu irmão, a Clara e os meninos para ir junto. - Sam disse.
    -Estou dentro. - Luiza falou, e todos concordaram também.
    -Vou convidar o Marcelo, esperem um pouco.
    Sai do banco do piano e fui em direção ao meu namorado.Ele estava conversando com "a sua turma",e isso incluia Brenda se esfregando nele o tempo todo.Aquela garota estava me dando nos nervos, mas não me importei com isso no momento.Arranjei um jeito de chamar sua antenção, e consegui fazer com que ele me olhasse.Ele veio até mim, não se importando com seus amigos.
    -Que foi? - ele colocou as mãos nos bolsos da calça jeans.
    -Estávamos pensando em ir no karaoke depois da aula e queria que você fosse com a gente.
    -Não vai rolar.Já tenho compromisso.
    -Mais um?
    -Algum problema?
    -Não, nenhum.Só queria que fosse com a gente.
    -Fica pra próxima. - ele virou as costas para mim e voltou a falar com seus amigos.
    Brenda me olhou e deu um sorriso que queria dizer "mais sorte na próxima, otária".Não conseguia entender o porquê de o Marcelo ter ficado tão idiota depois da nossa briga.Namorados brigam, não brigam?Mas ele não precisava agir assim só porque eu tinha dito que ele me cercava.
    Voltei para perto dos meus amigos, que agora incluiam Clara, Allan e Kye.Eles me viram chegando e abriram espaço pra mim no circulo.
    -E então?Ele vem? - Gabriel perguntou.
    -Não.Ele já tem...outro compromisso.
    -Que compromissos são esses que ele tem o tempo todo? - Andressa perguntou, meio irritada - Que eu saiba, você é a namorada dele, e ele nem da bola pra você.
    -Meu irmão está se saindo um belo idiota há um tempo.Não entendo mais ele. - Sam estava na mesma posição que minha irmã.
    -Pois é, ele está me saindo um belo pé no saco. - Gabriel comentou.
    -Que seja, gente, ele que está perdendo a diversão. - Clara falou - Quando acabar a aula, nos encontramos no estacionamento para sairmos juntos, tudo bem?
    Todos concordaram.Nos separamos para praticar nossos instrumentos e Clara e Allan desceram as escadas do palco.Antes que pudesse chegar até o piano, senti alguém segurar meu pulso.Quando virei para ver quem era, vi o rosto do Kye.
    -Você está bem? - ele perguntou.
    -Estou sim, obrigada.
    -Quando vai parar de mentir pra si mesma? - ele me largou e ficou de frente para mim.
    -Não estou mentindo pra mim mesma.
    -Pode achar que não, mas é óbvio que está,Mari.Você não está bem.Por que nao fala a verdade?
    Ficamos nos encarando pelo que achei que seria a eternidade, e meu coração começou a acelerar.O que estava acontecendo?Por que aquele garoto estava fazendo aquilo comigo?
    Ouvimos alguém chamar o Kye da plateia e olhamos na direção do som.O professor Rafael sinalizava para que ele descesse até ele e seus amigos.Ele me olhou mais uma vez e virou para descer as escadas laterias do palco.Quando estava indo na direção do piano, vi Marcelo olhando pra mim.Ele estava com um olhar que misturava raiva e tristeza, e eu não suportei encará-lo por muito tempo.Já doía a sua indiferença, não queria me sentir culpada por falar com um dos meus amigos.Fui até o piano e peguei minhas folhas e mochila para ir pra casa, pois o professor tinha acabado de avisar que estávamos liberados.O olhar de Marcelo ficou gravado na minha cabeça, me fazendo pensar no que eu tinha feito.Apenas falei com um dos meus amigos.Era normal, e não tinha motivo para me sentir culpada. Mas então, por que a culpa me consumia?E porque meu coração acelerou naquela hora?
 
***
 
    Já tinha ido a alguns karaokes, mas aquele era mais colorido do que qualquer um que eu já tivesse visto.Cada parede era de uma cor, e as telas das pequenas televisões de tela plana, combinadas com as luzes neon que infestavam o lugar, faziam eu me sentir dentro de um arco-íris.
    Pedimos uma mesa e a atendente nos conduziu até um canto do lugar.Era aconchegante e ,como meu irmão já tinha pedido, um balde com algumas bebidas já estava em cima da mesa.
    -Opa, bebida. - Clara já se aproximou do balde e pegou uma lata.
    -Vai com calma, amor.Você é fraca pra essas coisas. - Allan sentou-se do lado dela no sofá encostado na parede e passou o braço pelos seus obros.
    -Vou mostrar quem é fraca. - ela deu um super beijo nele.
    Nós gritamos e aplaudimos,mas eles não faziam questão de lembrar que estávamos lá e continuaram a se beijar.Sentamos nas pontas do sofá, nas cadeiras e eu sentei no chão.Minhas amigas inauguraram o cardápio de músicas, se divertindo e rebolando enquanto cantavam.Ri e as aplaudi como se estivessem em um show, e elas fingiam ser estrelas do rock.Enquanto me divertia, e dessa vez de verdade, ouvi o bip do meu celular.Era o número desconhecido.
    "Você fica bem mais bonita sorrindo do que sofrendo por aquele babaca."
    "Você está aqui?"
    "Estou sempre perto de você."
    "Isso é meio assustador."
    "Não é pra ser.Estou sempre cuidando de você,Mari.Só queria poder fazer isso do meu jeito."
    "E que jeito seria esse?"
    Pra variar, ele não respondeu a minha pergunta.Olhei ao redor para ver se alguém perto estava com o celular, mas não vi ninguém.Voltei a minha posição original e fiquei pensando no que Marcelo podia estar fazendo.Ele não parecia mais meu namorado.Não parecia nem mais meu amigo.Era um completo estranho pra mim e para meus amigos, e aquilo estava me mutilando por dentro.apesar de tudo que aconteceu, eu sentia falta do meu namorado.Pelo menos sentia, até que...
    -Mari, vem cantar alguma coisa. - Sam falou, me tirando de dentro de mim.Meu irmão estava ao seu lado, o que significava que eles tinham cantado e eu nem prestei atenção.
    -Não, acho que...
    -Caçula, deixa de ser envergonhada. - Gabriel se meteu - Você canta muito.Não tem que guardar isso só pra você.É egoísmo.
    -Eu apoio. - Andressa me deu um empurrão de leve para me ipulsionar.
    -Não estou no clima...
    -Não existe clima aqui. É só cantar. - Leo disse.
    -O Kye canta com você. - Clara disse.
    -Qual é,perto de vocês, eu sou nada.Ele nem deve querer cantar comigo. - virei o rosto para trás e sorri pra o Kye.
    -Que besteira.Vamos. - ele levantou e estendeu a mão para mim.
    Aceitei e ele me puxou para cima.Nossos amigos nos aplaudiram e fomos até o cardápio de músicas.
    -Você escolhe. - ele me disse.
    Olhei o cardápio de duetos e escolhi All about us;Adorava aquela música, mas talvez Kye achasse estranho, então olhei para ele.
    -Que tal essa?
    -Perfeita. - ele sorriu.
    Kye ajustou o player e a música começou.Por algum motivo, todos ficaram quietos para nos escutar.A primeira parte era minha, então comecei junto com a letra, a qual nem precisava olhar, pois sabia a música toda.Na hora em que tinhamos que cantar juntos, Kye me olhou nos olhos, e eu não conseguia desgrudar o olhar dele.Meu coração começou a acelerar de novo,e senti que cantávamos um pro outro, apesar de saber que era uma completa besteira.Kye nunca pensaria em mim desse jeito, e eu tinha namorado.Éramos apenas amigos, mas...
    A música acabou e ficamos em um silêncio estranho.Eu e Kye nos olhavamos diretamente,e só conseguimos desviar os olhos quando nossos amigos explodiram em palmas e assovios.Kye sorriu para mim e pegou minha mão.Fizemos uma reverencia e voltamos para o nosso lugar.Fiquei pensando e percebi que, enquanto cantava com ele, tudo tinha sumido: meus problemas, minhas preocupações, tudo.Ah,Deus, o que estava acontecendo comigo?Minha cabeça estava me pregando uma peça, era a única explicação.
    Depois de mais algumas músicas, comecei a me sentir desconfortável.Clara e Allan estavam com as bocas grudadas uma na outra, assim como meu irmão e Sam também entraram nessa onda.Os dois podiam sair com quem quisessem, mas só eles não percebiam que eram um casal.Minha irmã estava bêbada, e Lu e Leo também estavam mais felizes que o normal, cantando na frente da tela.
    -Mari. - Kye me chamou.Virei a cabeça para ele - Quer ir lá fora, pegar um ar?
-    Quero.Vamos.
    Nós dois levantamos e fomos até a porta do karaoke.Já era tarde, e a rua estava quase deserta, mas o céu estava lindo.Nos encostamos nos batentes da porta e ficamos ali por um tempo sem falar nada.
    -Parece que você está mais alegre aqui. - ele falou,olhando pra mim.
    -É, talvez. - também olhava pra ele.
    -Você e aquele cara não estão muito bem, não é?
    -Pois é.
    -Você não é pro bico dele.É legal de mais pra um babaca como aquele.
    Dei uma risada abafada.Que ironia.
    -O que foi? - ele perguntou, meio sorrindo.
    -Engraçado, um cara me disse a mesma coisa há algum tempo.
    -Ah, é?Bem, esse cara sabe das coisas.
    Sorrimos um para o outro.Ele conseguia me fazer tirar sarro dos meus problemas.Aquilo era estranho, mas era bom.Ficamos ali mais um tempo, até que um carro parou na nossa frente.Quando o vidro abaixou, vi que era Samuel.
    -Oi, Mari.Oi,cara. - ele nos cumprimentou.
    -Oi. - dissemos juntos. - O que está fazendo aqui? - perguntei.
    -Vim buscar o Leo.Ele vai dormir lá em casa hoje.
    -Ah, entendi. - não consegui conter o sorriso - Bom saber, vou chamar ele.
    -Beleza. - Samuel sorria também.
    Eu e Kye entramos e avisamos Leo que Samuel estava lá fora esperando-o.Leo pegou suas coisas, se despediu de nós e foi até o carro estacionado na frente do karaoke.Eu podia estar ficando louca, mas pelas portas de vidro, pude jurar que tinha visto os dois se beijando.Fiquei muito feliz que Leo tinha achado alguém que gostasse dele.Poucas pessoas acham hoje em dia.
    Como nosso amigo tinha dado a deixa, fomos todos pra casa.Nos despedimos de Clara,Allan e Kye que foram pra sua casa, e eu, Gabriel e Sam enfiamos Andressa e Luiza no banco de trás, junto comigo.Levamos Luiza e Sam para seus alojamentos e voltamos pra casa.Eu e Gabriel colocamos minha irmã na cama, pois ela não estava em condições de chegar lá sozinha.Depois disso, fomos escovar os dentes e cada um foi para o seu quarto.
    Pus o pijama e deite na cama.Como aquilo podia estar acontecendo?Tinha um namorado, mas quando estava com o Kye todos os problemas sumiam.Estava ficando cada vez mais enrolada na minha própria confusão.Meu coração queria me pregar uma bela peça.Mas não, aquilo era só coisa da minha cabeça.Kye era meu amigo, e meu namorado não falava mais comigo.Só isso.As coisas iam voltar ao normal, eu só não sabia quando.
    Um bip do meu celular.Uma mensagem do desconhecido.
    "Boa noite,Mari."
    "Boa noite, estranho."
    Larguei o celular na mesinha de cabeceira, desliguei a luz e , dois minutos depois, estava sonhando com três garotos.
 

 

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