Capítulo 21

    -Você podia não ter dado tanto mole pro garçom. - Gabriel disse, carrancudo, enquanto abria a porta do nosso apartamento.
    -Fale comigo quando você não der mole pra qualquer garçonete que vê pela frente. - Andressa passou reto por nós e, eu achava, estava indo até  banheiro escovar os dentes.
    -Dá pra acreditar nela? - Gabriel olhou pra mim.
    -Bom, que você dá mole pras garçonetes, você dá. - dei de ombros e comecei a andar em direção ao corredor que ia até meu quarto.
    -Porra, caçula, até você? - ele parecia chocado com a minha resposta, mas dava pra perceber que ria.
    -Que foi?É a verdade.E não.Me.Chama.De.Caçula. - falei, sem virar uma vez sequer para trás.
    Eu e meus irmãos tínhamos ido almoçar em um pequeno restaurante perto do nosso alojamento.Ninguém estava com vontade de lavar a louça, então foi fácil decidir o que faríamos.Entrei no meu quarto e tirei meu celular do carregador grudado na parede.Não tinha carregado ele durante a noite, então tive que passar o almoço sem ele.Não que eu fosse uma desesperada por celular, mas o peso dele fazia falta no bolso da calça.
    Dei uma olhada para ver se não tinha recebido nenhuma mensagem ou ligação, e comprovei que nenhuma dessas coisas tinha sido recebida.Joguei o celular na cama e fui abrir a janela.O clima estava bem agradável para Maio, mas eu ainda estava meio acostumada com o clima mais frio da minha cidade, então acho que era normal ser quente naquela época do ano.
    Me apoiei na madeira da janela e fiquei observando a minha vista por um tempo.Não era muito animadora: Alguns telhados de outros alojamentos, casas e seus quintais mais ao longe e , ainda mais distante, o estacionamento de um mercadinho.Mas o que me chamava a atenção era a cor do céu.Era tão vibrante e relaxante que me fazia lembrar dos dias que eu, meus irmãos e meus pais fazíamos piqueniques na praça da nossa cidadezinha.Uma lufada de vento veio até mim, e eu fechei os olhos para sentí-la passar pelo meu rosto e sacudir meus cabelos.Era tão bom sentir aquilo que eu poderia ficar ali por mais um bom tempo, mas fui despertada pelo bip de uma mensagem.
    Achava que podia ser Marcelo, afinal, já fazia uma hora que ele não me mandava uma mensagem ou tentava ligar.Aquele garoto estava me deixando irritada com tudo aquilo, mas não era ele.Era aquele número desconhecido de novo.
    "Como foi o almoço?"
    "Está me perseguindo agora?"
    "Não, só quero saber como foi."
    "Foi legal."
    "Planos pra hoje?É sábado."
    "Vou sair com meu namorado e uns amigos dele."
    "Parece divertido."
    "É...sei lá."
    "Problemas no paraíso?Se é que dá pra chamar assim."
    "Não.Quer dizer...Sei lá.Conhece meu namorado?"
    "Não muito, mas o suficiente pra saber que ele não é pra você."
    "Como pode saber?Nem me conhece."
    "Conheço o suficiente pra ser seu amigo."
    "Amigo que não diz que é."
    "Ainda não.Na hora certa você vai descobrir."
    "Você é estranho.Se é meu amigo, por que não diz quem é?"
    "Confie em mim,Mari.Ainda não.Por enquanto, vou cuidar de você e ser sua distração."
    "Cuidar de mim?Como assim?"
    E foi assim que terminamos o diálogo daquele dia.Ele não me mandou mais nada durante todo o tempo que fiquei em casa, e eu duvidava que fosse mandar, mas ainda queria descobrir quem era esse amigo misterioso.E o que ele quis dizer com "cuidar de mim" e "ser minha distração"?Aquilo tinha ficado confuso na minha cabeça, mas desisiti de tentar descobrir e fui descançar um pouco.Deitei na cama e peguei o livro que estava na minha cabeceira.O livro da vez era "O lado mais sombrio", da A.G. Howard.Eu era uma fanática por "Alice no país das maravilhas", então estava gostando muito do livro.Nem me dei conta quando meu irmão entrou no meu quarto, pois estava imersa na história.Só o vi quando estava do meu lado, então era normal que eu tivesse levado um susto.
    -Podia ter batido na porta.
    -Eu bati. - ele disse - Você que não me ouviu, o que eu acho estranho, pois está sem fones de ouvido.
    -se você lesse mais, iria entender.
    -Deixa pra próxima.Você vai levar a sua chave hoje à noite?
    -Pretendo, por que?
    -Só pra saber.Acho que você vai chegar depois da gente, então pode me acordar quando chegar.
    -Tudo bem.
    -Mari. - ele me chamou, do jeito que sempre me fazia olhar preocupada pra ele - Você e o Marcelo estão bem, não estão?
    -Estamos. - parei um pouco e respirei fundo - Quer dizer, não sei.Ele só está sendo...meio possessivo.
    -Olha, ele pode ser meu melhor amigo, mas você não precisa se preocupar com isso.Você é minha irmã, e se ele estiver fazendo alguma coisa que você não curti, não quero que fique com ele só porque tem medo do que pode acontecer entre mim e ele.Já não estou gostando de como ele está agindo, e tenho medo que isso se direcione pra você, entendeu?
    -Sim, entendi.Obrigada.
    -E mais uma coisa. - Gabriel sentou na beira da minha cama e pegou minha mão - Não importa o que aconteça,eu vou sempre estar do seu lado.Se qualquer pessoa te magoar, vai ter que se ver comigo.
    -Já disse que você é o melhor irmão do mundo? - Sorri pra ele.
    -Olha, faz uns dias que você não diz isso, mas eu ponho na conta. - ele piscou - E agora, - ele deu aquele sorriso maquiavélico que me deixava com medo do que ele faria em seguida - já que estamos nesse momento irmãos,que tal voltarmos no tempo?
    -O que você vai fazer,Gabriel? - soltei minhas mãos das dele e fui me arrastanto pela cama, com ele na minha cola.
    -GUERRA DE CÓCEGAS! - ele gritou e me atacou.
    Só meu irmão sabia onde eu tinha cócegas,e eu me arrependia de ter contado isso pra ele toda vez que ele decidia fazer isso.Rolava de tanto rir, perdendo o ar e fazendo minha barriga doer.Só consegui me desvencilhar dele quando cai da cama e ouvi claramente as gargalhadas do meu irmão.
    -RETIRO O QUE DISSE.VOCÊ É O PIOR IRMÃO DO MUNDO. - gritei, enquanto recuperava o fôlego.
    -Tarde demais, palavras não voltam.Leve a chave hoje. - ele disse, indo até a porta e saindo do meu quarto.
    Levantei do chão e sentei na cama para minha respiração voltar ao normal.Quando voltei ao normal, deitei na cama e peguei meu livro novamente.Planejava ficar lendo até a hora de me arrumar.
 
***
 
    Meus irmãos já tinham saído de casa há algum tempo pra encontrar os nossos outros amigos.Eu já estava pronta com uma camiseta jeans por dentro de uma saia rendada clara, um cinto marrom claro e um cuturno, também marrom.Já tinha ido ao banheiro algumas muitas vezes para ver se a maquiagem básica ainda estava no lugar e se meu cabelo estava bom.Naquele momento, estava sentada no sofá assistindo um filme qualquer,enquanto esperava Marcelo vir me buscar.Quando a campainha tocou, finalmente, peguei minha bolsa e fui até a porta.
    -Uau.Acho que, entre todas as garotas, a mais bonita caiu na minha mão. - ele disse quando abri a porta - Vamos?
    -Vamos.E obrigada pelo elogio, se foi um elogio. - sorri para ele, mas um pouco desconfortável.
    Descemos e fomos até o carro do Marcelo.Era um belo carro, e bem mais limpo do que um carro de garoto que eu tinha imaginado.Ele ligou o rádio e deu partida no motor.Enquanto íamos até o lugar onde, eu achava, iríamos comer, ele pos a mão na parte da minha coxa que estava descoberta e olhou rapidamente para mim, depois voltando o olhar para a estrada.
    -Você vai gostar da minha galera.Eles são legais. - ele disse.
    -Não sabia que você tinha uma galera.
    -Não achei que você precisasse saber.
    Achei aquele comentário totalmente idiota, mas preferi ficar quieta.Quando chegamos ao estacionamento do restaurante ele saiu do carro e abriu a porta para mim.Era um lugar nem tão chique, mas também não era pra qualquer um.Já estava ficando cada vez mais desconfortável com aquilo.Desde quando Marcelo frequentava aquele tipo de lugar?
    Quando subimos as escadas que levavam até o deque do lugar, bem bonito, tinha que admitir, tive a prova que aquela noite não ia acabar bem.Um grupo de garotos sinalizavam para nós, e Marcelo me conduziu naquela direção, mas o que vi não foram os meninos, e sim a única garota que estava com eles.Brenda.
    -Ora, o que temos aqui.Não sabia que você ia convidar ela, baby. - Brenda disse para o Marcelo quando chegamos perto.
    -Trouxe a sua mina, cara? - um dos amigos do Marcelo perguntou, empurrando os outros para abrirem espaço para nós.
    -Pois é, cara.Mari, esses são meus amigos. - eles fizeram acenos de mão e "eai"s , e eu respondi com um aceno de cabeça - A Brenda você já conhece.
    -Até demais. - Ela deu um sorriso detestável para mim, que só me deu vontade de dar um tapa naquele rostinho falso.
    Sentamos juntos em uma das pontas da mesa e pedimos o que queríamos comer.Quando a comida chegou, todos conversavam animadamente sobre assuntos que eu não fazia ideia do que eram.Só conseguia pegar algumas partes, mas nada daquilo me dizia respeito e, na verdade, nenhum assunto parecia ser interessante.Acho que Marcelo tinha esquecido da minha presença ali ao seu lado, pois nem ele nem ninguém fazia questão de me incluir no assunto.Brenda olhava para mim de vez em quando com cara de deboche, mas eu fazia de conta que não via, e que não estava com vontade de dar uma surra nela.
    Aguentei por um bom tempo, mas tudo tem um limite.Dei uma cutucada no ombro do Marcelo para chamar sua atenção, o que deu certo.
    -O que foi? - ele perguntou, ainda rindo.
    -Você disse que tinha que falar uma coisa comigo, e eu tenho que falar com você também.Nós podíamos...
    -Pode falar. - ele nem dava atenção.
    -Nós podíamos ir à algum lugar pra conversar.Em particular...
    -Tudo bem. - ele levantou e pegou minha mão.
    Saímos do deque e fomos até o andar de baixo.Sentamos em uma mesa do canto, onde parte das pessoas que estavam ali não nos ouviria.
    -Pode falar. - ele disse.
    -Bem, é que...
     -Não. - ele me interrompeu - Deixa que eu falo primeiro.Olha,Mari, acho melhor você se afastar um pouco dos seus amigos.
    -Como é que é? - engasguei, não conseguindo acreditar no que tinha acabado de ouvir.
    -Sei que parece estranho, mas acho que eles não são boas influencias pra você.Percebi que eles andam falando coisas sobre nós e não quero que você se leve pela opinião deles.Seria melhor você começar a andar comigo e com o pessoal.O que acha?
    Não respondi.Ele só podia estar ficando louco.
    -Ótimo.Agora que conversamos, podemos voltar e... - ele começou a se levantar.
    -Nós não conversamos,Marcelo.Só você falou. - ele voltou a se sentar.
    -Mari, nós temos que voltar.
    -Não, não temos.Primeiro que você não é meu dono, segundo que eu não posso acreditar no que você está me pedindo.
    -Pra mim parece um pedido normal de namorado pra namorada.
    -Normal?Pois, pra mim,não é nem um pouco normal.Parece que você me quer só pra você.Você não me pediu se eu gostei dos seus amigos.Você nem deu importancia pra mim lá em cima.Acha que pode me controlar o tempo todo, e agora está me pedindo pra me afastar dos meus amigos e andar com sua turma?Ninguém me influencia à nada,Marcelo.Eu penso do jeito que eu quero.Já estou cansada de você me cercar.
    -Mas você é minha namorada.Você é minha.
    -Acontece que não sou sua,Marcelo.Sou dos meus amigos, sou dos meus irmãos, e também sou minha.Eu sou sua namorada, não seu bichinho de estimação que te segue pra qualquer lugar.
    -É tudo por causa daquele cara, não é?Ele que está fazendo a sua cabeça. - ele ficou sério e fechou os punhos.
    -Pelo amor de Deus!Já passou pela sua cabeça que isso não tem a ver com mais ninguém, à não ser comigo? com nós dois? Não é possível que você não veja isso. - levantei da mesa.
    -O que está fazendo? - ele levantou também.
    -Você vai me levar pra casa.Agora.Estou cansada.
    Ele parecia chocado, mas passou a minha frente e fomos até o estacionamento.Entramos no carro e na viagem de volta não conversamos um com o outro em nenhum momento.Quando chegamos na entrada do meu alojamento, estava abrindo aporta para sair, mas Marcelo segurou meu pulso.
    -Não faça essa besteira,Mari.Só quero o melhor pra você.
    -O melhor pra mim sou eu que faço.
    -Se você sair desse carro, sabe que as coisas vão mudar. - ele falava com um tom furioso, e me olhava com raiva.
    -Que mudem.E eu espero que pra melhor, pois o culpado dessa história não sou eu,Marcelo. - olhei diretamente para ele.
    Ele me encarou por um tempo e soltou meu pulso, voltando a olhar pra frente.Sai do carro sem olhar pra trás, mas sabia que ele me encarava pelas costas.Abri a porta do alojamento, e ouvi o som do carro dando a partida e indo embora, sabe-se lá pra onde.Subi as escadas e abri a porta do apartamento.Ainda era meio cedo, então ninguém tinha chegado.Fui até o banheiro, tirei a roupa e tomei um banho.Fui até meu quarto e coloquei o pijama.Tirei meu celular da bolsa, joguei-a em um canto e me deitei.Fiquei olhando para o teto e pensando na briga que tive com meu namorado.Acho que agora ele ia se dar conta de como estava errado, mas, naquela hora, não me pareceu que ele tivesse entendido.Só esperava que ele percebesse que estava tomando o caminho errado em relação à nós.
    Mais um bip do meu celular.Peguei-o ao meu lado e desbloqueei a tela.Uma mensagem do número desconhecido.
    "Boa noite.Não esqueça: sou sua distração."
    Não sei por qual motivo, mas sorri com aquela mensagem.Eu podia não saber quem era, mas, pelo menos, aquela pessoa conseguia me fazer sorrir depois de uma briga feia com meu namorado.Queria descobrir quem era, e logo.Mas, apesar daquele momento, ainda estava com o peso da briga no peito.Ia ver no que aquilo tinha dado na segunda-feira,e estava sentindo que não ia gostar do resultado.

 

Comentários:

Nenhum comentário encontrado.

Novo comentário