Capítulo 0: Prólogo

Toc toc toc.
    Procuro o celular na cama. 5h30min da manhã.Espero que quem estiver batendo na minha porta a essa hora tenha um motivo muito bom pra me acordar.Levanto da cama, calço as pantufas do Frajola que estavam no pé da cama e me arrasto até a porta.
    -Filha? - lá estava minha mãe com as roupas normais que ela usava todos o dias na soleira da minha porta - Ainda estava na cama? Tem que se arrumar, querida.Daqui a pouco vamos ir.
    -Ir? Ir aonde às 5h30min da manhã de um sábado, mãe? Do que está falando?
    -Você devia estar tendo um sono muito pesado. - ela que se enganava - Esqueceu que dia é hoje?
    Como minha mãe queria que eu lembrasse de alguma coisa àquela hora?Tinha acabado de ser arrancada da cama.Mas em segundos lembrei do que ela estava falando.Dia de Mudança.Que ótimo.
    -Onde estão suas malas? As dos seus irmãos já estão no carro, só faltam as suas.
    -Estão no canto, embaixo da escrivaninha.
    No dia anterior, passei a maior parte do dia tirando porta-retratos das paredes, arrancando, dobrando e guardando roupas.Arrumar as malas para mudança pode ser libertador ou assutador.No meu caso, era as duas coisas.
    Enquanto minha mãe levava minhas malas para o carro, coloquei minhas roupas de viagem: calça jeans surrada de fundo de armário,regata de ontem, meu moletom favorito e botas. Saí do meu quarto, mas não antes de olhar para trás e vê-lo quase sem nada que era meu.Era difícil descer as escadas sem perceber que a casa estava diferente.Não tinha mais todas as coisas que eram minhas ou dos meus dois irmãos mais velhos.Estávamos de saída.Eles já estavam acostumados, já tinham feito aquilo, mas pra mim era a primeira vez. Me sentia uma menininha indo dormir na casa da amiguinha, só para ligar para os pais depois de algumas horas pra ir buscá-la.Mas agora não tinha mamãe nem papai que pudéssem ir me buscar.Eu estava por conta própria.Tá, não ao pé da letra, afinal meus irmãos estariam sempre comigo, e eles são aquele tipo de irmãos-pais-chatos, mas era legal pensar assim.
    Quando cheguei na garagem, já fui recebida com o assesso de bom humor que meu irmão reservou pra mim, como esperado:
    -Até que enfim você acordou.Pensei que o pai ia me obrigar  a te caregar até aqui.Animada, caçula?
    Odiava quando ele me chamava de "caçula".E o pior é que ele sabia disso.
    -Não seja idiota.A essa hora, não tem quem consiga ficar animado com nada. - Minha irmã geralmente era bem parecida comigo, e sempre tinha as respostas certas - Agora, os dois, me façam o favor de entrar nesse carro. Não é pouca estrada e você sabe disso - ela olhou com aquele olhar de reprovação de mãe para o meu irmão.
    -Como você quiser,general - Meu irmão pulou para o seu canto do carro e me ofereceu a mão para entrar - Vem logo pro seu lugar, caçula, não temos a manhã toda.
    -Para de me chamar de caçula, seu tapado - aceitei a mão dele e, como eu esperava, ele deu um puxão tão forte que quase cai no seu colo,mas me segurei.
    -Você é tão criança as vezes - disse minha irmã para ele.
    Ela entrou por último, como sempre, e se ajeitou no seu canto do banco traseiro do carro.Eu sempre ficava no meio.Era a mais nova,então não tinha o direito de ficar com uma das janelas.A democracia dos meus irmão é um tanto injusta comigo.Mas não posso reclamar.Sempre que pego no sono, meu irmão me deixa ficar escorada nele e me acorda com cócegas no nariz, enquanto minha irmã usa a sua frase de sempre. Eles podem ser irmãos-pais-chatos, mas na parte "irmãos" eu não podia pedir melhores.
    Nossos pais entraram no carro assim que minha irmã pegou no sono.Ela tem o dom de dormir dentro de um carro assim como em uma cama king size.Minha mãe estava toda sorrisos, enquanto meu pai me olhava com aquela cara de "estou perdendo a minha princesinha".Eu achava muito divertido o jeito como eles eram totalmente diferentes e mesmo assim eram perfeitos um para o outro.
    -Filha, não esqueça que qualquer coisa é só ligar.Estou sempre com o celular e sua mãe também.Tenho certeza que seus irmãos garantiram que você se aloje no mesmo quarto que eles. - Olhar carrancudo de pai nesse momento - e todo o dinheiro que você precisar para o semestre está depositado na sua conta.Tem certeza que se dará bem?
    -Fique calmo, Roberto, ela não é uma bonequinha de porcelana prestes a cair.Tenho certeza que ela vai se dar tão bem quanto os irmãos.Nossos filhos vão longe, querido, não se preocupe.
    Adorava quando minha mãe falava daquele jeito.Me dava mais confiança em mim mesma.
    -Mas,querida...
    -"Mas,querida..." nada.Você conhece nossa filha.Sabe que ela vai ficar bem.
    -É, pai, - pronunciou-se meu irmão - ela vai ficar bem. Garanti que nós três ficássemos no mesmo alojamento e se alguém encostar nela, vai sair com o rosto deformado e alguns dentes a menos.
    -Olhe os modos, menino.- minha mãe olhava com ar de reprovação.
    -Não quis dizer de verdade. - Duvidava muito daquilo.Meu irmão era o melhor lutador que eu já tinha visto e agia como um pai super protetor comigo - E aliás, pai, não lembro do senhor ter ficado assim quando nós saímos ano passado.Isso é favoritismo, meu velho.
    -Favoritismo o escambau, garoto.Você não é minha filha mais nova saindo de casa, é?
    -Não sou mesmo,pai.
    -Vocês querem parar de falar de mim como se eu não estivésse aqui e dar a partida nesse carro? - me manifestei.
    -Concordo, querida. Podemos ir? - minha mãe falou antes de virar para o lado e esperar o sono dar as caras.
    -Como quiserem, senhoras - meu pai e meu irmão falaram em uníssono.
    -Parem de falar, estou dormindo.-Minha irmã ronronou em nossa direção.
    Não demorou muito até que todos nós estivéssemos rindo enquanto meu pai saía da garagem e começava nossa viagem.Minha família era um pouco maluca, um pouco irritante e muito animada,até demais na verdade , mas eu amava cada um e nunca pensaria em me separar deles.Sentiria falta da minha casa, dos meus muito poucos amigos e dos meus pais , mas eles sempre estariam comigo, assim como eu estaria com eles.Era o começo de uma vida nova, só minha. A partir daquele momento, eu podia esperar qualquer coisa que pudesse acontecer.

 

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